As relações étnico-raciais constituem um dos temas mais complexos, urgentes e estruturais para a compreensão da sociedade brasileira. Longe de ser um mero apêndice na discussão social, a forma como raças e etnias se relacionam e são percebidas determina o acesso a direitos, oportunidades e, em última instância, a própria qualidade da democracia. No Brasil, essa discussão é intrinsecamente ligada ao legado da escravidão, ao mito da “democracia racial” e, mais recentemente, às políticas de ação afirmativa e à ascensão do debate sobre o racismo estrutural.
O peso da história: do mito da harmonia à estrutura do racismo
A formação do Brasil está marcada pela violência da escravidão e pela subsequente marginalização das populações negras e indígenas. Por séculos, a lógica colonial impôs uma hierarquia racial que posicionou o branco europeu no topo e desumanizou as demais etnias, especialmente os africanos e seus descendentes.
No século XX, a tese da “democracia racial” foi cultivada pelo Brasil, popularizada, mas não criada, por Gilberto Freyre. Segundo essa perspectiva, o país se desenvolveu a partir de uma convivência harmoniosa e miscigenada entre as raças, minimizando ou negando a existência de conflitos e discriminação racial sistêmica.
Narrativa ideológica “sedutora”
Essa narrativa ideológica, embora sedutora em sua aparente igualdade.
Porém, foi usada como um disfarce para invisibilizar o racismo e suas consequências concretas na vida da população negra e indígena.
Pois, ao negar o conflito racial, negava-se também a necessidade de políticas públicas específicas para combatê-lo, naturalizando a desigualdade.
A partir de estudos sociológicos fundamentais, como os de Florestan Fernandes e Carlos Hasenbalg, e, principalmente, da militância do Movimento Social Negro, esse disfarce ideológico começou a ser desmantelada.
O racismo no Brasil se revelou um fenômeno que, embora dissimulado e ambíguo (não baseado em leis de segregação explícita, como o apartheid na África do Sul ou as leis Jim Crow nos EUA).
Mas, manteve-se profundamente eficazes desigualdades sociais e econômicas baseadas na cor da pele e na origem étnica.
Relações étnico-raciais envolvem as trocas e interações que acontecem entre diferentes grupos étnicos e raciais. Essas ideias de semelhanças e diferenças costumam influenciar essas relações entre esses grupos.
Essa compreensão levou ao conceito de racismo estrutural, que define o racismo não como atos isolados de indivíduos mal-intencionados.
Mas sim, como um elemento constitutivo da própria sociedade, incrustado nas instituições, nas leis, nas práticas cotidianas e na distribuição de poder e recursos.
Portanto, o racismo estrutural se manifesta na desvantagem histórica e persistente da população negra e indígena em indicadores sociais cruciais: acesso à educação de qualidade, mercado de trabalho, renda, saúde, e, dramaticamente, na segurança pública e no sistema de justiça criminal.
Os indicadores da desigualdade racial
Os dados socioeconômicos do Brasil são implacáveis ao expor a face do racismo estrutural. A população negra (que engloba pretos e pardos, conforme classificação do IBGE) compõe a maioria dos brasileiros.
Essas, está sistematicamente sub-representada em posições de poder e prestígio, e super-representada nos indicadores de pobreza e violência.
Desigualdade em alguns setores
Educação: Historicamente, a trajetória escolar da população negra apresenta menos anos de estudo e menor acesso ao ensino superior, embora as políticas de cotas tenham promovido um avanço significativo nesse cenário nas últimas décadas.
Renda e Emprego: A diferença salarial entre brancos e negros, mesmo em condições de escolaridade e ocupação semelhantes, é um reflexo direto da discriminação no mercado de trabalho. A população negra ocupa majoritariamente trabalhos menos remunerados e mais precários. Falta interação étnico-racial.
Representação Política: Embora sejam a maioria demográfica, a representação de pessoas negras e indígenas nos espaços de decisão política (câmaras legislativas, executivo) ainda é desproporcionalmente baixa.
As populações indígenas enfrentam um cenário igualmente grave, agravado pela disputa por terras, pela violência decorrente da invasão de seus territórios.
Como também, pela dificuldade no acesso a serviços básicos de saúde e educação, muitas vezes em função de uma perspectiva etnocêntrica e integracionista adotada pelo Estado.
Políticas de ação afirmativa: um marco na busca por reparação
O enfrentamento do racismo estrutural exige medidas estruturais e de reparação. Nesse contexto, as políticas de ação afirmativa (PAA) surgem como instrumentos cruciais.
Assim, um conjunto de medidas temporárias e específicas, as PAA, visa remover as barreiras históricas que impediram a igualdade de oportunidades para grupos que sistematicamente sofreram discriminação.
No Brasil, a sociedade e o governo intensificaram o debate e a implementação de ações afirmativas a partir da virada do século XXI.
O principal exemplo é a Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012 e suas alterações), que reservou vagas em universidades e institutos federais para estudantes que cursaram integralmente o ensino médio em escolas públicas.
Com subcotas para candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI), e para pessoas com deficiência e de baixa renda.
Embora controversas e alvo de intensos debates sobre meritocracia e constitucionalidade.
As cotas raciais e sociais no ensino superior promoveram uma verdadeira revolução demográfica nas universidades, historicamente elitizadas e majoritariamente brancas.
Portanto, elas introduziram diversidade e novas perspectivas no ambiente acadêmico, contribuindo para a formação de uma elite intelectual e profissional mais representativa da sociedade brasileira.
Outras ações afirmativas importantes incluem a reserva de vagas para a população negra no serviço público (Lei nº 15.142/2025) e a implementação de políticas de fomento à cultura e identidade, como as voltadas para os povos quilombolas.
As autoridades devem revisar, ampliar e fortalecer as ações afirmativas, garantindo sua permanência e o acompanhamento de seus resultados.
As relações étnico-raciais
A Educação como pilar da transformação
Relações étnico-raciais, conforme a imagem:

A superação das desigualdades étnico-raciais passa, inegavelmente, pela educação. A escola, enquanto espaço de formação de identidades e valores, tem o potencial de reproduzir ou desconstruir o racismo, dessa forma, a educação é essencial para as relações étnico-raciais.
A promulgação da Lei nº 10.639/2003 (e sua alteração pela Lei nº 11.645/2008, que incluiu a história e cultura indígena), que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e Indígena na educação básica.
Representa um marco legal na busca por uma educação antirracista.
O objetivo é duplo:
Valorização e Reconhecimento: Inserir a rica contribuição dessas populações na matriz curricular, combatendo o eurocentrismo e promovendo a autoestima de estudantes negros e indígenas.
Combate ao Preconceito: Formar cidadãos críticos que reconheçam e rejeitem o racismo e a discriminação.
O desafio da aplicação dessas leis, contudo, reside na formação de professores, na produção de materiais didáticos adequados.
E também, na superação da resistência e do despreparo institucional para abordar a temática racial de forma profunda e consistente.
Perspectivas e o caminho para a equidade
O caminho para o estabelecimento de relações étnico-raciais verdadeiramente equitativas no Brasil é longo e exige um esforço contínuo e multifacetado. A agenda antirracista se fortalece e se amplia, com o Ministério da Igualdade Racial (MIR).
Outras instâncias governamentais buscando consolidar políticas de Estado que visem à igualdade.
Os próximos passos exigem:
Reconhecimento e aprofundamento da reparação:
As autoridades devem revisar, ampliar e fortalecer as ações afirmativas, garantindo sua permanência e o acompanhamento de seus resultados.
Combate à violência: é imperativo conscientizar a política de segurança pública, combatendo a desigualdade e garantindo a justiça.
Valorização dos povos indígenas: garantia da demarcação de terras, respeito à autodeterminação e proteção contra a exploração ilegal.
Responsabilização institucional: cobrar das instituições públicas e privadas (empresas, mídia, judiciário) a adoção de práticas antirracistas e a promoção da diversidade em todos os níveis.
As relações étnico-raciais no Brasil são um reflexo direto da sua história.
Por conseguinte, entendê-las criticamente, desvendar o racismo em suas manifestações estruturais e cotidianas, como também, agir com políticas de reparação e valorização da diversidade. Dessa forma, são passos inadiáveis para que o país finalmente cumpra a promessa de ser uma nação justa e igualitária para todos os seus cidadãos.
Assim, a luta por igualdade racial é, na sua essência, a luta pela concretização da democracia plena no Brasil, que ainda está distante, mas caminhando. Abraçem as relações étnico-raciais!